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Pesquisadores do projeto Erosão da biodiversidade na Bacia do Alto Paraguai se reúnem em Cáceres
BIODIVERSIDADE - PANTANAL
Pesquisadores do projeto Erosão da biodiversidade na Bacia do Alto Paraguai se reúnem em Cáceres
12/01/2018 12:21:08
por Hemilia Maia
Foto por: Moisés Bandeira

Na última quarta-feira (10.01) estiveram reunidos em Cáceres vários pesquisadores do projeto "Erosão da biodiversidade na Bacia do Alto Paraguai: Impactos do uso da terra na estrutura da vegetação e comunidade de vertebrados terrestres e aquáticos", coordenado pela Universidade do Estado de Mato Grosso (Unemat), com a presença do pesquisador e consultor Carlos Augusto Peres, da Universidade de East Anglia, do Reino Unido. Durante o encontro foi concluída a revisão preliminar do processo de progressão do projeto após as cinco primeiras expedições do projeto, realizadas em cinco grandes áreas entre a nascente do rio Paraguai e o Parque Nacional do Pantanal, no período de julho a dezembro de 2017.

Durante as expedições os pesquisadores contaram a presença de 3.891 árvores (em 5 hectares divididos em 1 hectare por local) e 11.577 animais entre peixes, anfíbios, répteis, aves e mamíferos de pequeno, médio e grande porte, nos cinco locais de amostragem estudados: Barra do Bugres, Recanto do Dourado, Reis, Morrinhos e Taiamã. Até o momento o número de espécies vegetais confirmado são de 149, mas segundo os pesquisadores, estima-se chegar até 308 espécies. Entre as espécies animais foram contabilizadas até o momento 325 espécies.

Durante a execução das cinco primeiras expedições do projeto, no período de junho a novembro de 2017, época escolhida em função de melhor acesso às áreas de amostragem, foram realizadas coletas em 20 áreas agrupadas em 5 módulos distribuídos no trecho de estudo em intervalos aproximados de 70 quilômetros. Estão sendo estudadas a estrutura da vegetação e de vertebrados, sob o aspecto da comunidade e resíduos de pesticidas na biota, solo e água, uma vez que o rio Paraguai convive com atividades de agronegócio na cabeceira e em suas margens. Também está sendo feito um estudo comparativo por meio de imagens de satélite das alterações sofridas na região nos últimos 30 anos.

O estudo é financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Mato Grosso (Fapemat) e coordenado pelo professor da Unemat, doutor em Ecologia, Manoel dos Santos Filho. O estudo tem como parceiros a Universidade Federal do Estado de Mato Grosso (UFMT) e a Universidade de East Anglia, no Reino Unido. Já as análises laboratoriais dos materiais coletados contam com a parceria da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ).

Em entrevista à Assessoria de Comunicação da Unemat, o professor doutor em Ecologia Tropical e Conservação, Carlos Augusto Peres, da Universidade de East Anglia, do Reino Unido, destaca que o Pantanal é um ecossistema muito frágil e muito mal protegido além de pouco conhecido pelos cientistas. Leia a entrevista:

Assessoria - Qual seu papel no projeto Erosão e o que se pretende entender por meio dele?

Carlos Agusto Peres - Sou meramente um consultor desse projeto, mas o pessoal que está alavancando e executando quer entender como funciona os gradientes ao longo do curso do Rio Paraguai e a estrutura das comunidades vegetais, da fauna terrícula, arborícola e aquática. Esse projeto é bem completo, porque ele abarca uma série de grupos taxonômicos fisiologicamente independentes, tanto terrestres quanto aquáticos, ao longo de vários meses, ao longo do ciclo das águas. É uma coisa difícil, logisticamente é um desafio, mas no total eles chegarão a 40 áreas amostradas sistematicamente ao longo de 10 regiões.

Assessoria - Para os biólogos, o Pantanal é um senhor desconhecido se comparado a fotógrafos e ecoturistas? Esse estudo vai equilibrar essa balança?

CAP - Nenhum estudo chega à exaustão. O conhecimento sempre se expande. Ele é um marco porque nunca tinha sido feito uma série padronizada de inventários de biodiversidade ao longo do rio Paraguai, em ambas as margens. Então ele começa a balancear essas tendências. Como sabemos, o Pantanal é bem conhecido por ecoturistas e fotógrafos, existem inúmeros livros, ensaios fotográficos do Pantanal, mas geralmente esses livros não dizem quase nada em termo de informação da biologia, da socioeconomia, da geomorfologia, da hidrologia do Pantanal. Por incrível que pareça, o Pantanal continua sendo uma grande fronteira do desconhecimento. Vem um monte de gente para cá, mas quase não vem biólogos e gente que consiga enxergar esses grandes padrões de biodiversidade, esses grandes padrões macroecológicos. Esse projeto consegue fazer essa ruptura pela primeira vez. É claro que a fase de campo é somente a etapa de aquisição de dados, depois vem as análises. Você tem uma parte mais prática, mais metodológica, e depois a parte mais intelectual. Daí vem a nossa interação com o pessoal para conseguir alavancar os melhores produtos.

Assessoria - Os pesquisadores já estão na metade da pesquisa de campo. O que vem sendo encontrado nesse trabalho? Há algo novo? Ele está atendendo as expectativas iniciais ou está surpreendendo?

CAP - Acabamos de concluir uma revisão preliminar do processo de progressão do projeto, que chegou agora à sua metade da fase de campo concluída e a próxima metade será executada este ano, então as coisas ainda são muito preliminares para falarmos em resultados. Ainda tem muita coisa sendo identificada, fora as análises ecológicas que virão mais tarde quando todos os dados já estiverem em mãos. Mas uma coisa superimportante desse projeto é que ele atravessa os três principais biomas do Brasil e do Mato Grosso. Como se sabe, o Mato Grosso tem 0,9 milhões de quilômetros quadrados em um país de 8,5 milhões. Ele é o epicentro da América do Sul e concentra essa confluência de biomas. Essa confluência de biomas não é uma barreira discreta. Ela é um contínuo biogeográfico que esse projeto vai ajudar a elucidar. Esse projeto atravessa a Amazônia, atravessa o Cerrado e acaba no Pantanal. Como essas floras e essas faunas desses três grandes biomas se justapõem ainda continua sendo um grande mistério. Esse projeto em amostrar tanto grupos terrestres quanto aquáticos ajudará a elucidar essa confluência de biomas. Penso que todo mato-grossense tem o dever de ser orgulhoso de estar no estado que melhor representa os três grandes biomas do centro da América do Sul.

Assessoria - Quais os principais grupos taxonômicos que fazem parte desse estudo?

CAP - Obviamente quando se desloca expedições de campo é preciso ser muito seletivo na escolha dos grupos taxonômicos que você vai representar. Por exemplo, em Mato Grosso, você tem centenas de milhares de espécies multicelulares. Obviamente não se pode incluir tudo. Esse projeto representa muito bem os vertebrados terrestres e aquáticos e representa a flora de Mato Grosso. A ênfase é na fauna de vertebrados e não nos invertebrados, insetos e etc., que é muito mais rica. Estudando os peixes, anfíbios, répteis, aves e mamíferos, que são basicamente os nossos vertebrados, as expedições de campo já são mais do que onerosas e logisticamente complexas. Organizar um acampamento para 17 ou 18 pessoas, por 15 dias consecutivos em cada uma das 10 grandes áreas estudadas, com toda a logística, ainda tentando economizar o pouco dinheiro do projeto, é uma coisa muito difícil. Obviamente não dá para amostrar, inventariar todos os grupos taxonômicos, mas pelo menos a fauna de vertebrados, grande parte da qual está ameaçada, tanto pelo uso da terra pelo agronegócio quanto pelas mudanças climáticas, então você tem uma interação cinergística desses dois processos. Você tem mudanças climáticas que começam a alterar o regime das águas, o regime hidrológico dessas regiões, as grandes cheias e secas. Inclusive Cáceres é vítima desse processo e isso interage com as mudanças no uso da terra e as perspectivas são muito sombrias, muito pessimistas, porque até então o Pantanal era tido como uma região de pecuária extensiva onde a economia de escala funcionava, porque as grandes fazendas conseguiam sobreviver com uma baixa margem de lucro por hectare. Mas, hoje em dia, com a fragmentação das propriedades é praticamente impossível essas fazendas serem financeiramente viáveis. Então os proprietários estão começando a vendê-las para canavieiros, para sojicultores, e esse é o futuro dessa região, principalmente num cenário de baixa governança que é o Brasil. O Brasil é um país muito curioso, porque ele é a 9ª maior economia do mundo, mas ele tem uma política de republiqueta de banana da América Central ou da África. O manejo de recursos naturais desse Brasil não é prioridade.

Assessoria - Como esse trabalho contribui para nortear políticas públicas de curto, médio e longo prazo?

CAP - Os resultados mais conclusivos desse projeto ajudarão a entender como podem funcionar as estratégias de prioridade de conservação no Pantanal. Porque o Pantanal é basicamente protegido pela propriedade privada. Ele não é protegido por áreas governamentais ou por unidades de conservação. Fora a Estação Ecológica de Taiamã e o Parque Nacional do Pantanal Mato-Grossense, o resto são áreas particulares à mercê das forças econômicas que regem essa região. Os governantes, tanto estaduais quanto federais, têm que ter plena consciência de que o Pantanal é um ecossistema muito frágil e muito mal protegido. Se não for assegurado algum tipo de mecanismo para manter o Pantanal como uma forma de uso da terra mais extensivo, em vez de intensivo, a biodiversidade do Pantanal vai tender a desaparecer gradativamente. O Pantanal é um patrimônio imenso. O Brasil é o principal controlador desse bioma, tem um pedacinho na Bolívia e no Paraguai, mas a grande parte é brasileira. Então o Brasil tem essa responsabilidade, inclusive do ponto de vista econômico. Num trabalho que nós fizemos, mostramos que o potencial de renda monetária do ecoturismo no Pantanal é muito superior ao que se imagina. Ela é cerca de 25 vezes maior do que a renda baseada na pecuária extensiva. Então se a competição for de igual para igual entre as alternativas econômicas, o Pantanal, que hoje vale bastante do ponto de vista do ecoturismo, no futuro valerá muito mais. Desde que se mantenha o Pantanal como o temos hoje, essa região e o Brasil ganharão cada vez mais no futuro. É preciso ter muito cuidado, porque um canavial a mais, uma plantação de soja a mais nesse País é totalmente redundante, nós já temos uma área plantada muito grande. Agora o Pantanal nós só temos um. Quando sumir, não teremos outro para substituir. Tudo dependerá de como os governantes enxergam o futuro do país.

Assessoria - Qual a importância do estudo do projeto Erosão da Biodiversidade na Bacia do Rio Paraguai para uma região que está sofrendo impactos causados pelo homem, pelo agronegócio, pela utilização de pesticidas?

CAP - O rio Paraguai desempenha um papel muito importante como artéria principal, eixo principal do Pantanal. O Pantanal é a maior planície alagada de lâmina superficial do planeta Terra. O que governa o Pantanal é basicamente o comportamento das águas, o ciclo das águas, no qual a vazão, a descarga do rio Paraguai é muito importante. Nesse eixo as áreas de fertilidade moderada que ocorrem nas cabeceiras estão sendo rapidamente transformadas pelo agronegócio, e tudo que está em cima cai pra baixo do ponto de vista hidrológico, tudo que está acontecendo nas cabeceiras eventualmente vai repercutir no resto da bacia aqui à jusante. Então você vai ter consequências hidrológicas sérias no Pantanal, principalmente com as perspectivas de desenvolvimento hoje que envolve não só a conversão do uso da terra pelo agronegócio, mas também projetos de infraestrutura que começam a mexer com a drenagem do rio Paraguai, as hidrovias, etc. Esse trabalho aqui do pessoal da Unemat é a primeira série padronizada de inventários quantitativos de biodiversidade ao longo do rio Paraguai, pegando desde as cabeceiras, na região mais impactadas, até no baixo, bem no centro, no coração do Pantanal. Então esse estudo possibilitará o início de um importante processo de conhecimento sobre os reflexos das atividades do agronegócio sobre a biodiversidade do Pantanal.

Assessoria - O estudo acontece em um trecho de 700 quilômetros de extensão, desde a nascente do rio em Alto Paraguai, no Mato Grosso, até o Parque Nacional do Pantanal, na divisa com Mato Grosso do Sul. Tem uma grande equipe envolvida, de várias instituições, e isso requer uma soma de investimento. Qual a importância do apoio de instituições como a sua universidade para o financiamento de projetos como esse?

CAP - Na verdade quando você diz em soma de investimentos, eu vejo assim: os custos financeiros e monetários desse projeto são baratíssimos. O pessoal está fazendo milagre com um orçamento, na verdade, muito limitado. O que se gasta em ciência nesse País, nesse Brasil, principalmente com ecologia e conservação, é o que se gasta com pipocas no exterior. É impressionante como os biólogos brasileiros estão morrendo à míngua. É um investimento importante, mas não é um grande investimento financeiro. O maior investimento é trabalho do pessoal, é o investimento intelectual que a gente vai conseguir colocar. Essas instituições internacionais, por exemplo, eu sou professor de Ecologia da Universidade de East Anglia, na Inglaterra, elas entram com capital intelectual, tempo e expertise para maximizar os produtos que sairão desse projeto. Eu acredito que esse projeto pode render não só produtos mais científicos e acadêmicos, como produtos de alcance ao público, como vídeos a serem divulgados na internet, assim como um relatório bem simplificado que resuma todos os resultados do projeto, e a publicação de reportagens em veículos de disseminação popular acessível ao grande público. A ideia final é democratizar a informação. Mas esse projeto é somente uma etapa, as coisas continuam.

Assessoria - Suas considerações finais.

CAP - Em qualquer projeto científico dessa natureza, ele não é visto, a priori, vamos dizer assim, o usufruto da sociedade como benefício econômico, estamos falando de pesquisa científica, pesquisa acadêmica. Agora todos esses padrões de biodiversidade que o projeto vai revelar eles são importantes porque eles ajudam aos nossos tomadores de decisão a decidir as melhores estratégias de conservação para nossa fauna e flora. Não vejo grandes benefícios econômicos, mas é um benefício indireto para toda sociedade dessa região.

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