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Professora da Unemat tem trabalho de doutorado elogiado em jornal da Unicamp
Professora da Unemat tem trabalho de doutorado elogiado em jornal da Unicamp
31/08/2007 15:26:58
por Coordenadoria de Comunicação Social

A professora Olga Maria Castrillon Mendes, do departamento de Letras da Unemat, que concluiu o doutorado pela Unicamp, teve seu trabalho reconhecido com a publicação de uma matéria no jornal da Universidade Estadual de Campinas, devido a importância do seu trabalho de pesquisa.

A tese de doutorado da professora visa mostrar a importância da paisagem de Mato Grosso e também dos mato-grossenses refletidas nas obras do escritor brasileiro Visconde de Taunay. O trabalho de Olga Maria Castrillon Mendes avalia os documentos tidos como históricos por descreverem e desenharem o Brasil durante a Colônia e o Império sob a ótica da literatura.

A professora lembra que Visconde Taunay contribui de forma significativa para compor a imagem de Mato Grosso e retratar o interior do Brasil que continua sendo visto como periferia dos grandes centros.

Lygia Lima - Coordecom/Unemat

Confira abaixo a íntegra da matéria publicada no jornal da Unicamp:

Tese de doutorado mostra a importância da paisagem e

do povo mato-grossenses em obras de Visconde de Taunay

Os caminhos de Mato Grosso?

LUIZ SUGIMOTO

A área de atuação da professora Olga Maria Castrillon-Mendes é a literatura de viagem, principalmente se as obras são ambientadas em Mato Grosso. Daí seu interesse por Alfredo d’Escragnolle Taunay, o Visconde de Taunay, que por lá esteve durante a Campanha da Laguna, na Guerra da Tríplice Aliança contra o Paraguai (1864-1870), como relator da Comissão de Engenheiros.

Relatos de viagem parecem pinturas

A literatura de viagem trabalha basicamente com documentos de naturalistas que percorreram, descreveram e desenharam o Brasil durante a Colônia e o Império. “Inicialmente considerados como documentos da história, eles também podem ser avaliados sob a vertente literária”, esclarece a professora da Universidade do Estado de Mato Grosso (Unemat).

Os relatos de Alfredo Taunay compõem o objeto da pesquisa de doutorado de Olga Maria – Taunay viajante e a construção imagética de Mato Grosso –, defendida no Instituto de Estudos da Linguagem (IEL) da Unicamp, com a orientação do professor Carlos Eduardo Ornellas Berriel.

“Os viajantes refletiam um olhar de fora. Taunay influiu profundamente na formação do romance em Mato Grosso e, através do seu olhar, pretendi pensar mais sobre este interior do Brasil, que até hoje é visto como periferia dos grandes centros. Ainda que sirva apenas para que nós, daqui, compreendamos melhor a terra onde estamos plantados”, justificou a professora por telefone, da cidade de Cáceres.

Segundo a autora da tese, Taunay representou, no século 19, um profundo sentimento de nacionalidade, característico do período monárquico brasileiro. “Ele foi um escritor sensivelmente marcado pelas incursões durante a Campanha da Laguna e contribuiu no esforço nacional para plantar as raízes de um singular movimento romântico de ‘sentimento da natureza’”.

Olga Maria observa que o Taunay-viajante escrevia como alguém que pintava e participou intensivamente da construção imagética de Mato Grosso. “Ele deixou obras que têm, na sua estrutura narrativa, o diário de viagem como elemento de composição e a natureza como exercício do olhar e de construção do gênero paisagístico”.

As descrições feitas por Alfredo Taunay da paisagem de Mato Grosso chamaram a atenção da professora já a partir da primeira obra, que na verdade é um diário de campanha, com dados do relatório geral da Comissão de Engenheiros que depois seriam transformados em ficção.

“Como relator, ele fez o papel de diarista, colheu informações e anotou impressões da viagem e da guerra, exercício que possibilitou a produção de toda a sua literatura. Diria que esses dados estão de alguma forma presentes em A retirada da Laguna e em Inocência, suas duas obras mais conhecidas”, observa Olga Maria.

Viajante singular

Para a pesquisadora, o engenheiro militar foi um viajante singular, que chegou a Mato Grosso com pouco mais de 20 anos, carregando a tradição de uma família de eminentes artistas pintores. O avô Nicolas Taunay veio na missão francesa que criou a Escola Nacional de Belas-Artes. O pai Félix Taunay foi seu maior mestre, orientando-o no caminho das artes e das letras.

“Eram europeus que trouxeram para o Brasil toda uma influência da arte paisagística e que também foram influenciados pelo trópico. Os relatos que Taunay faz das localidades de Mato Grosso estão vazadas pela sensibilidade estética, descrevendo verdadeiros quadros da natureza”, avalia a pesquisadora.

Olga Maria destaca que o jovem militar – de família estreitamente vinculada a Pedro II – viajou movido também pelo dever, em posição quase que missionária. “De um lado, temos o olhar que representa o tempo das transformações sociais e econômicas com a crise do regime escravista e da imigração. De outro, as lutas para a consolidação do Estado Imperial que garantisse a soberania nacional ou o mundo dito civilizado”.

A hipótese que a autora apresenta na tese é de que a viagem a Mato Grosso funcionou como um instrumento de transformação do jovem militar em escritor, fundamental para a aquisição da liberdade, do gosto pela expressão e de um estilo próprio. “Era um rapaz menos interessado na guerra e mais na aventura de varar sertões e conhecer cidades e pessoas”.

A professora acrescenta que Alfredo Taunay tinha inclusive pretensões científicas, como a de fazer uma coleção de minerais preciosos ou de estudar e classificar espécies de plantas, quem sabe descobrindo uma espécie nova. “Ele foi um viajante singular, pois agia como um explorador e pensava como um esteta – aquele que cultua o belo”.

Metamorfose

De acordo com Olga Maria, sua personagem voltou da campanha contra o Paraguai transformado, com um olhar mais universal, até para compreender o Brasil a partir do interior. Em Mato Grosso, Taunay escreveu apenas o relatório geral da Comissão de Engenheiros e Cenas de Viagens, sua primeira obra, de 1868.

Neste mesmo ano, já de retorno, apresentou a primeira versão de A Retirada da Laguna, em francês. “É uma versão que traz a intenção política de divulgar um empreendimento e os interesses do governo imperial junto aos meios europeus e letrados, dentro da campanha em busca da identidade e da unidade nacional”, ressalva a pesquisadora. Mais tarde, a obra seria revista.

Olga Maria informa que o escritor publicou alguns diários e cartas da campanha até 1872, ano de sua obra máxima, Inocência, quando transformou o ambiente sertanejo e os tipos com os quais conviveu durante a viagem em elementos e personagens de ficção. “Ele foi um grande observador daqueles tipos populares e do seu modo de vida, com todo o exotismo que o interior do Brasil proporcionava ao viajante”.

A personagem de Inocência, como Alfredo Taunay revelou nas próprias memórias, foi inspirada na índia Antônia, da tribo guaná, que marcou a sua vida. “A índia foi uma das mulheres que o escritor mais amou. Essa paixão pode ter contribuído para que sua sensibilidade aflorasse muito mais, propiciando um olhar mais carinhoso para a gente e a natureza de Mato Grosso”.

Revisão

A intenção da professora Olga Maria Castrillon-Mendes, em sua tese de doutorado, foi demonstrar que Mato Grosso teve influência importante na literatura brasileira, por meio de um de seus escritores de maior vulto – e desde a origem do estabelecimento do romantismo no Brasil.

“É um aspecto muito pouco abordado, mas que pode ajudar a redimensionar a parcela do interior do país na geografia das letras. É um aspecto que deve ser visto e revisto”, pondera a pesquisadora.

Foi no interior de Mato Grosso, insiste Olga Maria, que Alfredo Taunay tornou-se um “(d)escritor de paisagem”. “Ele compôs uma imagem da região que veio representar, juntamente com outras imagens construídas pela Monarquia, a vontade de construir um Brasil uno, mesmo que essa unidade figurasse como uma utopia nacional”.

Relatos do viajante

O panorama que então se desdobra subitamente é de fato grandioso. Aos pés do espectador, uma vasta campina enriquecida de magníficos detalhes; além, a orla da mata que acompanha as águas belas e sinuosas do Aquidauana; ao longe a extensa serra de Maracaju, cujos picos desnudos refletem os esplendores do sol e coroam toda esta prodigiosa massa azulada pela distância. (...) Todos esses lugares são de incomparável beleza (...) e tão suave, tão brilhante é a luz que reveste todo o lugar, que a imaginação involuntariamente empresta sua magia a tal conjunto irresistível de encantos da terra e do céu. (A Retirada da Laguna, pp. 48-9).

Casas que desabaram; matto que ainda mais alteou nas ruas; inundações do Guaporé que levaram os restos dos cães de outr’ora e cavaram fundo nas barrancas; esboroados e largos pannos de muralha que tombaram; gente que diminuiu (e já era tão pouca!), uns mortos, outros que emigraram, tangidos pelo desespero e pela falta de recursos; arvores que cresceram invasoras e á solta, gigantes da floresta em plena povoação, dominando no seu magestoso vigor e na sempre renascente alegria os destroços da obra dos homens [...]. (Taunay, p. 12-13).

No dia 20, pela manhã, o tempo, a princípio chuvoso, clareou, e o sol logo se tornou ardente; os animais avançavam pouco, os homens se arrastavam, com a morte sob os olhos e dentro do coração (A Retirada da Laguna [1868] 1997, p. 190).

Muito bem feita, com pés e mãos singularmente pequenos e mimosos, cintura naturalmente acentuada e fina, moça de quinze para dezesseis anos de idade [...]. Sobremaneira elegante de porte, costumava trajar, com certo donaire, vestidinhos de chita francesa, quando não se enrolava à moda dos seus numa julata que a cobria tôda até aos seios. (A Retirada da Laguna [1868] 1997, p. 190).

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