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Lançamento do Movimento Negro do Pantanal marca encerramento de Seminário sobre Ação Afirmativa e Estudos Étnico-Raciais
CONSCIÊNCIA NEGRA
Lançamento do Movimento Negro do Pantanal marca encerramento de Seminário sobre Ação Afirmativa e Estudos Étnico-Raciais
21/11/2016 12:41:57
por Nataniel Zanferrari

O Núcleo de Estudos sobre Educação de Gênero, Raça e Alteridade (Negra) da Universidade do Estado de Mato Grosso (Unemat) realizou a 12ª e 13ª edições do Seminário sobre Políticas de Ação Afirmativa, a 8ª edição da Semana de Estudos Étnico-Raciais e a 1ª edição da Mostra Científica do Negra. Os eventos ocorreram de quarta (16) a sábado (19), e culminaram com o lançamento do Movimento Negro do Pantanal (Monepan) no último sábado (19), no Garage Music Bar, em Cáceres.

O coordenador do Negra e professor da Unemat, Paulo Alberto Santos Vieira, explica que um movimento como o Monepan é importante numa região como Cáceres, que apesar de ser a região de maior número de eleitores e de maior contingente populacional, atrás apenas de Cuiabá, apresenta o segundo menor Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do Estado. “Esta situação, em que temos um IDH tão ruim comparado às outras regiões do Estado, pode ser um indicador interessante e importante para se entender como as desigualdades ocorrem na região e, especialmente, na cidade de Cáceres, e não apenas as desigualdades de caráter social e econômico, mas também a desigualdade de caráter racial”, disse o professor. “Estamos em um estado cuja maior parcela da população se autodeclara negra. Entretanto, esta maioria da população negra, esta negritude, não está representada adequadamente nestes espaços sociais, educacionais, políticos e culturais”, explica Paulo. “Então, o surgimento de uma nova entidade, uma nova associação do movimento negro em Cáceres, tem o potencial de mobilizar agentes e atores em torno da reflexão sobre as desigualdades, sejam elas de caráter socioeconômico, sejam elas de caráter racial”, afirma o professor Paulo Alberto.

A apresentação pública do Monepan contou com a presença do professor Valter Silvério, do Departamento de Sociologia da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e coordenador do Doutorado Interinstitucional em Sociologia Unemat/UFScar. O professor afirma que conheceu a região de Cáceres há alguns anos, porém, anteriormente a conhecia por livros que ressaltam a importância histórica e cultura da região, principalmente na história do povo. “Há um livro extremamente importante da professora Maria de Lourdes Bandeira, ‘Território negro em espaço branco’, que é a principal tese de doutorado da Universidade de São Paulo de 1988, e que se refere à Vila Bela da Santíssima Trindade, uma cidade mais conhecida fora do Brasil do que dentro do Brasil, seja pela importância cultural da região, pela presença de quilombos, e pela presença de Teresa de Benguela. Só para se ter uma ideia, em Luanda, na Angola, existe uma praça chamada Teresa de Benguela”, explica Valter. “Eu vim para cá e me encantei, porque a população fenotipicamente é uma população muito interessante: você consegue perceber a presença do indígena e um elemento negro muito forte, e esta presença marca muito o território”, afirma o professor Silvério.

 

20 de novembro

O lançamento público do Movimento Negro do Pantanal ocorreu na véspera do Dia Nacional da Consciência Negra, 20 de novembro. Criado em 2003, como data de importância incluída no calendário escolar, foi oficialmente instituído em âmbito nacional mediante a Lei Nº 12.519, de 10 de novembro de 2011, sendo considerado feriado em cerca de mil cidades em todo o país e nos estados de Alagoas, Amazonas, Amapá, Mato Grosso e Rio de Janeiro, através de decretos estaduais. A ocasião é dedicada à reflexão sobre a inserção do negro na sociedade brasileira. A data foi escolhida por ser o dia da morte de Zumbi dos Palmares, em 1695.

Zumbi foi o último dos líderes do Quilombo dos Palmares, o maior dos quilombos do período colonial. Zumbi nasceu em 1655 na Serra da Barriga, então Capitania de Pernambuco, região hoje pertencente ao município de União dos Palmares, no estado de Alagoas. Faleceu em 20 de novembro de 1695, na Serra Dois Irmãos, Às margens do Rio Paraíba de Melo, na então Capitania de Pernambuco, local que hoje é parte do município de Viçosa, também em Alagoas.

“O 20 de novembro nos remete a relembrar sempre a importância da cultura negra, de matriz africana, na construção desta singularidade que é o Brasil”, defende o professor Valter Silvério. “E esta região de Mato Grosso é extremamente rica, e vemos a predominância de elementos culturais de matrizes africanas na alimentação, nas pessoas, na mistura étnico-racial que existe na região”, explica Silvério. “Eu diria que parte da beleza da região tem a ver com esta presença”, afirma Valter.

“Este 20 de novembro sinaliza uma profunda reflexão sobre graves problemas que afligem o País, o estado, a cidade e a região, mas também questões específicas desta população negra, cuja emancipação ainda não se deu por completa”, diz o professor Paulo Alberto. “E acredito que o surgimento do Movimento Negro do Pantanal é bastante importante dentro desta configuração”, afirma Paulo.

 

Teresa de Benguela

Teresa de Benguela foi uma líder quilombola que viveu na região em que atualmente é o município de Vila Bela da Santíssima Trindade, durante o século 18. Foi esposa de José Piolho, que chefiava o Quilombo do Piolho (também conhecido com Quilombo do Quariterê), entre o Rio Guaporé (a atual fronteira entre Mato Grosso e Bolívia) e a atual cidade de Cuiabá. Com a morte de José Piolho, Teresa se tornou a rainha do quilombo e, sob sua liderança, a comunidade negra e indígena resistiu à escravidão por duas décadas, sobrevivendo até 1770, quando o quilombo foi destruído pelas forças do então governador de Mato Grosso, Luiz Pinto de Souza Coutinho. A população de 79 negros e 30 índios foi morta ou aprisionada.

Teresa comandou a estrutura política, econômica e administrativa do quilombo, mantendo um sistema de defesa com armas trocadas com os brancos ou resgatadas das vilas próximas. Os objetos de ferro utilizados contra a comunidade negra que lá se refugiava eram transformados em instrumentos de trabalho, já que dominavam o uso da forja. O Quilombo do Quariterê desenvolvia agricultura de algodão e possuía teares onde se fabricavam tecidos que eram comercializados fora dos quilombos, como também os alimentos excedentes.

O dia 25 de julho é instituído no Brasil, pela Lei Nº 12.987, como o Dia Nacional de Teresa de Benguela e da Mulher Negra. “Tereza de Benguela foi uma mulher negra guerreira e símbolo da Mulher Negra no Brasil. No entanto, é necessário muito ímpeto de pesquisa para conhecer mais a seu respeito, já que sua história foi completamente ignorada e apagada. Embora em 2014 o reconhecimento oficial finalmente tenha chegado, no final das contas, Tereza ainda é mais uma mulher negra negligenciada pela história brasileira”, afirma a cordelista e escritora Jarid Arraes,

 

PIIER

No Sistema Acadêmico da Unemat neste semestre, 2.039 alunos cotistas do Programa de Integração e Inclusão Étnico-Racial (PIIER) estão matriculados nos 60 cursos com ofertas regulares de ensino espalhados em 12 dos 13 câmpus da Instituição. Os demais cursos (turmas únicas, ensino a distância, parceladas, turmas fora de sede) também reservam 25% das vagas para estudantes que se autodeclaram negros ou pardos. Do número de vagas ofertadas, em todos os cursos da Unemat, 25% são para cotistas negros ou pardos, 35% são para alunos de escola pública e 40% para ampla concorrência. O programa de cotas do PIIER já é adotado na Unemat há 11 anos. No vestibular para 2016/2 foram ofertadas 623 vagas para alunos negros cotistas.

Durante a última semana, a Unemat também realizou 4ª Semana de Direitos Humanos e a 4ª Mostra de Cultura e Arte das Gentes do Pantanal, com várias oficinas dedicadas ao estudo e debate de relações étnico-raciais e direitos do povo negro.

 

FONTES: Geledés Instituto da Mulher Negra; Herdeiras de Aqualtune; Movimento Negro Unificado; Questão de Gênero por Jarid Arraes/Revista Fórum.

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