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CERFogo promove segundo ano de queimas experimentais em estação ecológica


Foi necessária cerca de uma hora e meia para que um hectare de Cerrado sucumbisse ao fogo, e outra hora e meia para que mais outro hectare tivesse o mesmo desfecho. A Estação Krestel de medição para o fogo marcava 33 graus de temperatura, a umidade relativa do ar 33,1% e a probabilidade de ignição estava em 80%.



Durante os dias 11 e 12 de julho, a Estação Ecológica (Esec) Serra das Araras, em Porto Estrela-MT, foi palco pelo segundo ano consecutivo de uma queima experimental controlada. A ação faz parte da pesquisa desenvolvida pela Universidade de Oxford, no Reino Unido, com fomento do Fundo John Fell, e pela Universidade do Estado de Mato Grosso (Unemat) em parceria com o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). Conhecida como CERFogo, a pesquisa “Estratégias para conservação da biodiversidade e ecologia do Cerrado”, busca no fogo respostas para a conservação do bioma.



Para que a queima fosse realizada com segurança, as parcelas foram separadas por um acero, com retirada de solo mineral e outro de expansão, chamado de linha negra. Os brigadistas do ICMBio queimaram duas das seis parcelas que compreendem os 6 hectares preparados para os experimentos. A área total foi dividida em seis parcelas de 1 hectare cada, batizadas de Estação Serra das Araras (ESA) 4, ESA 5 e, assim sucessivamente, até ESA 9.  Em 2018, foram queimadas as ESA 7 e 9 e, agora, novamente a ESA 9 e a Esa 5, que recebeu a queima pela primeira vez. O procedimento foi acompanhado por um drone multiespectral que mostra a altura das plantas, a densidade da vegetação na área, e o avanço do fogo. As alternâncias de área de queima possui o propósito comparativo e de análise para as respostas que virão em alguns anos de pesquisa. Antes da queima a etapa é minuciosamente preparada para o experimento. Dividida em 25 subparcelas de 20 por 20 metros, recebem marcadores de altura do fogo, que pode chegar até 1 metro de altura, e sensores que acompanham a temperatura e velocidade do fogo.



Desde dezembro de 2017, quando foram implantadas as seis parcelas, os pesquisadores catalogam a flora, instalam métodos e monitoram seus fluxos de carbono. Cada parcela foi dividida em 20 subparcelas e cada subparcela recebeu um cesto para coleta de folhas, que são recolhidas a cada 15 dias dos 54 cestos distribuídos nas seis parcelas, e encaminhadas ao laboratório do Herbário do Pantanal Vali Joana Pott (HPAN) da Unemat, em Cáceres, para apontarem o indicativo de produtividade de serrapilheira: quantidade de folhas, fragmentos de caule e flores que são produzidas sazonalmente e calcular estimativas de fotossíntese; um dispositivo de leitura de carbono; e um cilindro de crescimento interno, ingrowth core, para avaliação do crescimento das raízes das árvores.



Nas duas parcelas que receberam as queimas experimentais em julho de 2018, também são monitoradas as rebrotações e realizado um segundo levantamento da flora para identificação das espécies por meio de crescimento, reprodução e morte. Pesquisadores desenvolvem um trabalho meticuloso de identificação das espécies e do número de árvores presentes nas parcelas com medida a partir de 5 cm de diâmetro e 3 m de altura.



As amostras botânicas testemunhas das espécies arbóreas, arbustivas e herbácias foram coletadas, processadas e incorporadas na coleção de referência do HPAN que possui cerca de 700 amostras deste projeto. De acordo com a professora do Programa de Pós-Graduação em Ciências Ambientais (PPGCA) da Unemat, Maria Antonia Carniello, doutora em Biologia Vegetal e curadora do HPAN, em alguns anos de estudo se percebeu uma alteração na biodiversidade do Cerrado, assim como na Esec Serra das Araras, onde não havia queimadas desde 1991, razão pela qual os pesquisadores estão atrás de respostas.



Os alunos do PPGCA e os alunos bolsistas da graduação em Ciências Biológicas da Unemat que trabalham em projetos de pesquisa ecológica aplicada ao manejo do fogo no Cerrado e de outras instituições desenvolvem seus estudos em conjunto com o CERFogo.



Os doutorandos da Unemat, Leandro Jorge de Souza Alves, e da Unicamp, Melina Sampaio, buscam entender o comportamento do fogo estudando as estruturas do Cerrado para produzir uma ferramenta tecnológica de suporte a decisões em operações de combate e prevenção de incêndios florestais.



Valéria Lucélia de Oliveira Corrêa, técnica do CERFogo junto ao laboratório do HPAN, também é mestranda do PPGCA e desenvolve suas investigações sob a temática “Dinâmica de carbono no Cerrado na Estação Ecológica da Serra das Araras ao longo do ano e sob diferentes históricos de fogo” com coletas quinzenais ao longo do ano e nas missões intensivas. Seus estudos servirão de base para as outras pesquisas que estão em desenvolvimento na Esec da Serra das Araras. A mestranda pretende responder se as queimas no Cerrado provocam maior estoque de carbono pelas árvores ou não. “Precisamos saber, se, quando ocorrem as queimas, as árvores estocam ou emitem gás carbônico (CO2) em maior quantidade”, contou Valéria. O gás carbônico é um dos gazes responsáveis pelo efeito estufa.



Luciana Della Coletta, doutora em Ciências e colaboradora do projeto, estuda a ecofisiologia do Cerrado. A pesquisadora distribuiu sensores de fluxo de seiva nas árvores das espécies Tachigali paniculata Aubl., conhecido como carvoeiro, e Curatella americana L., a popular lixeira ou cajueiro-bravo, para estudar o transporte de seiva das plantas desde a raiz até as folhas. Luciana busca entender o comportamento desse fluxo após a queima para corroborar ou não com a importância do fogo para o Cerrado e ambientes sensíveis às mudanças climáticas.  



Estes são alguns dos estudos em conjunto com o projeto CERFogo. “A capacitação, formação e consolidação de equipes de pesquisa também respondem direta e indiretamente aos anseios da sociedade. Projetos como este desempenham papel importante não só para Mato Grosso, mas para a pesquisa brasileira”, destacou Maria Antonia.



Para a professora em Ecologia de Ecossistemas, Imma Oliveras Menor, da Universidade de Oxford, áreas como essa e outras, que ficaram muitas décadas sem queima, mostraram a ocupação também por espécies que não são do Cerrado, com alterações de flora e fauna. “No Cerrado o fogo é um elemento natural. Há milhares de anos havia queimadas e adaptações causadas pelo próprio fogo. O nosso projeto visa saber qual seria a situação desse bioma com a reintrodução do elemento fogo como agente natural do Cerrado. Se fazemos uma queimada, tentando imitar uma condição mais natural, será que as espécies que não são do Cerrado morreriam? E será que as espécies típicas do Cerrado voltariam a aparecer?”, indaga a pesquisadora.



O ICMBio, parceiro na pesquisa, possui grande interesse operacional. A Esec da Serra das Araras tem por objetivo, além da proteção da área, a realização de estudos científicos.  Seus profissionais buscam recomendações para estratégias de manejo na própria Esec e unidades de conservação de Cerrado. O chefe da Esec da Serra das Araras, Marcelo Leandro Feitosa de Andrade, cita que a ausência do fogo vem provocando alterações. “As espécies do Cerrado vão diminuindo e simplificando o bioma”, citou Marcelo.



Além de sediar o CERFogo e participar do Comitê Gestor e de suas discussões, o ICMBio é responsável pela logística do projeto e pela queima das etapas. À Unemat Cáceres cabe garantir espaço físico e laboratorial, as bolsas de iniciação científica e de estágio, além dos translados das equipes de pesquisa durante a execução do projeto.


Por: Hemilia Maia